NOTA TÉCNICA – PLV 10/2025: Competência do CNPE para estabelecer limites à reinjeção de gás natural
O Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), entidade que representa as empresas atuantes nas diversas etapas da cadeia de valor do setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis no país, manifesta profunda preocupação em relação à inclusão no PLV 10/2025 de um dispositivo que altera a Lei nº 9.478/1997 (“Lei do Petróleo”), introduzindo o inciso XIX, que atribui ao Conselho Nacional de Política Energética (“CNPE”) uma nova competência para “estabelecer diretrizes para maximizar o aproveitamento da produção nacional de gás natural e definir limites de reinjeção de gás natural para os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção”.
Art. 15. A Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
(...)
XIX – estabelecer diretrizes para maximizar o aproveitamento da produção nacional de gás natural e definir limites de reinjeção de gás natural para os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção.
Ou seja, o PLV estabelece que o CNPE deverá definir limites à reinjeção de gás natural nos campos de petróleo e gás, antes mesmo que novas áreas exploratórias tenha sido objeto de licitação como concessão ou partilha e, portanto, antes do início da fase exploratória, e por consequência muito antes de se provar a existência de petróleo e gás natural e sob quais condições.
Esse dispositivo cria um novo risco para as empresas que se dispõem a explorar as reservas de óleo e gás do país, que se adiciona aos riscos já inerente à atividade de exploração de hidrocarbonetos: o risco de que, uma vez descoberto um reservatório tecnicamente viável de petróleo e gás, essas reservas não possam ser exploradas da maneira mais adequada tecnicamente e economicamente pelo operador. Isso representa um risco não quantificável que terá a consequência de afastar novos investimentos nas atividades de exploração e produção no país.
O IBP considera que a sanção presidencial ao PLV 10/2025 sem veto a este dispositivo um grave retrocesso para o país, conforme argumentos e razões a seguir:
1. Impactos do estabelecimento ex-ante de limites à reinjeção
A definição dos volumes de gás a serem reinjetados faz parte de complexos estudos geológicos e econômicos, necessários para avaliação da viabilidade técnico econômica de projetos de exploração e produção de petróleo e gás, que são realizados pelo consórcio vencedor após a licitação de áreas para atividades de Exploração e Produção (E&P). Esses estudos, resultam em diversos cenários para produção de hidrocarbonetos, que são gerados a partir das características específicas de cada campo, obtidas principalmente na fase de Avaliação da Descoberta.
A definição de um limite à reinjeçao de gás natural no reservatório ex-ante ao Leilão, como se infere do PLV 10/2025, implica numa tomada de uma decisão que não considera todas as variáveis e informações que precisam obrigatoriamente estar disponíveis para uma avaliação adequada, não somente quanto à melhor estratégia para a reinjeção de gás, mas principalmente quanto ao seu impacto na melhor e mais completa recuperação dos hidrocarbonetos daquele reservatório.
Nesse cenário, se afastarão investimentos em E&P, dado que percentuais inadequados de reinjeção significam menor recuperação de petróleo, com potencial redução na viabilidade econômica de novos projetos de E&P. Assim, o resultado da proposta de limitação à reinjeção, estabelecida no PLV, pode promover efeito contrário ao proposto, ou seja, redução da oferta futura de gás natural.
2. Avaliação técnico-econômica dos impactos da reinjeção na recuperação avançada de petróleo
A etapa de Desenvolvimento da Produção é implementada pelo operador do consórcio vencedor do leilão de áreas, após aprovação do Plano de Desenvolvimento (PD) pela ANP, como apresentado na Figura 1 abaixo. É durante a elaboração do PD que é definido, por exemplo, o volume de reinjeção do gás bruto (gás natural e CO2), que, reiteramos, tem papel relevante na redução do nível de emissões por barril produzido e no aumento fator de recuperação de petróleo.
O fator de recuperação previsto para todas as jazidas de hidrocarbonetos no Brasil varia de 15 a 20% [1]do volume total, o que corresponde à parcela de óleo que será efetivamente extraída do reservatório, levando em conta as restrições técnicas, físicas e econômicas associadas à produção. Para aumentar esse percentual, diferentes procedimentos podem ser empregados como a injeção de gás ou água, ou ainda a injeção alternada de água e gás (WAG - Water Alternating Gas), obtendo-se diferentes níveis de eficiência.
[1] https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentacoes-palestras/2017/seminario-aumento-do-fator-de-recuperacao-brasil/relatorio_do_seminario_sobre_aumento_do_fator_de_recuperacao_anp.pdf
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A injeção alternada de água e gás, como demonstrado na Figura 2, por exemplo, pode elevar em 25-30%[1] o volume recuperável de petróleo de alguns campos do pré-sal, quando comparado ao cenário de injeção de água. Isso promove a maximização da recuperação dos recursos e o valor dos ativos, aumento da receita e, consequentemente, da arrecadação de participações governamentais. Em alguns casos, a reinjeção de gás, e consequentemente maior produção de petróleo, são fatores decisivos para a viabilização econômica do projeto.
A definição do nível de reinjeção, entretanto, somente pode ser feita após finalização da campanha exploratória, a avaliação da descoberta e estudos aprofundados que embasam o Plano de Desenvolvimento da produção, nunca antes da licitação do bloco.
O consorcio vencedor do leilão de áreas de E&P, se bem-sucedido na exploração, faz uma avaliação cuidadosa para definir os níveis ótimos de reinjeção e consequentemente a melhor estratégia para recuperação do petróleo e do gás. A ANP é o órgão competente para avaliar essa estratégia, por meio da aprovação do Plano de Desenvolvimento.
3. Competência da ANP
Como mencionado acima, o operador submete para a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) o Plano de Desenvolvimento (PD). Esse Plano é elaborado com observância das exigências legais, regulatórias e contratuais. Depois de aprovado pela ANP, norteia os investimentos, a construção da infraestrutura necessária e os processos que serão seguidos na produção.
A ANP, além de ser o órgão governamental com a prerrogativa legal de avaliar o Plano de Desenvolvimento submetido pelo consórcio produtor, é a entidade com melhor competência técnica para tal. Esse processo tem se mostrando adequado, com a aprovação de projetos de produção de petróleo e gás que reinjetam água ou que reinjetam uma mistura de água e gás natural, bem como projetos que produzem quase exclusivamente gás natural (e não vão ter reinjeção), como é o caso dos projetos de Raia e de Sergipe Águas Profundas. Juntos, esses dois projetos irão produzir mais de 34 milhões de metros cúbicos por dia, ampliando em aproximadamente 50% a oferta doméstica de gás natural.
Em suma, a definição dos níveis de reinjeção proposta pelo operador, de acordo com as características de cada campo, é relevante para a viabilidade econômica de muitos projetos de produção de petróleo e gás, por aumentar os volumes de óleo recuperado. Manter a aprovação deste critério na alçada da ANP, após proposta técnico-econômica apresentada pelo operador, torna o país mais atrativo para novos investimentos em projetos de E&P de petróleo e gás, gerando mais investimentos e empregos, maior produção de hidrocarbonetos e consequentemente, maior arrecadação de participações governamentais.
A estratégia de reinjeção de gás é um elemento central para a eficiência e a viabilidade econômica dos projetos de exploração e produção. Uma política pública que imponha limites ex-ante seguramente prejudica esse processo, reduzindo o potencial de crescimento da oferta doméstica para o mercado de gás natural no Brasil.
Diante do exposto, o IBP solicita e recomenda o veto à proposta de inclusão do inciso XIX no art. 2º da Lei nº 9.478/1997.