[ARTIGO] Impactos da COVID-19 sobre o mercado de óleo e gás
Sumário:
A disseminação da COVID-19 impactou a economia global pela desaceleração do crescimento chinês e o setor de óleo e gás pela consequente queda na demanda por petróleo e derivados. Esse cenário provocou duas quedas sucessivas no preço do petróleo, primeiro após as medidas de contenção do governo da China logo após o Ano Novo Chinês e posteriormente pela propagação do novo coronvírus em outras regiões do mundo, tornando-se uma pandemia.
Pelo lado da oferta, a falta de acordo da OPEP+ para renovar os cortes na produção fizeram o preço do petróleo registrar, no último dia 09 de março, sua maior queda diária desde 1991, ano em que se encerrava a Guerra do Golfo. Motivada pelo arrefecimento da demanda, a proposta consistia em um corte de 1,5 milhão barris/dia adicionais ao acordo anterior, de 1,7 milhão barris/dia da OPEP mais 400 mil barris/dia voluntários da Arábia Saudita. Nesse cenário, Arábia Saudita e Rússia anunciaram que irão elevar sua produção, contribuindo para uma queda superior a 30% na cotação do Brent, atingindo a casa dos US$ 30/barril.
Gráfico - Variação da cotação do Brent em 2020 (US$/barril).[caption id="attachment_135065" align="aligncenter" width="640"]
Fonte: Elaboração IBP, com dados da Investing.com.[/caption]
Artigo:
A propagação da COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 é o principal fator de impacto nas economias globais nas últimas semanas. Iniciada na China, que ainda concentra 53% dos casos[1], a pandemia alcançou 143 localidades diferentes (países, territórios e regiões) e desafia as autoridades de saúde em todo o mundo.
Assim como ocorreu na epidemia de SARS[2], a China foi o ponto de partida do vírus e, consequentemente, o país que sofreu o maior impacto no primeiro momento. Na última reunião do G-20, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou de 6,0% para 5,6% a projeção inicial de crescimento do país asiático para 2020, refletindo as incertezas relacionadas ao impacto da COVID-19. Por outro lado, existe uma diferença de relevância global da China em cada caso. Em 2002, ano que registrou os primeiros casos da SARS, o Produto Interno Bruto (PIB) do país asiático representava 4,2% do PIB global. Desde então, a economia chinesa cresceu de forma expressiva, alcançando 16% do PIB mundial em 2018.
Como uma das medidas para conter o avanço da doença, o governo chinês estendeu o recesso do feriado de ano novo e isolou a cidade e Wuhan, foco principal de contaminação. Essas ações reduziram não só a atividade produtiva do país, mas também a demanda, em função da diminuição tanto no uso de transportes quanto no consumo.
O alto nível de contágio da COVID-19 motivou outros países a também adotarem políticas para conter o surto. Conferências internacionais importantes do setor de energia foram canceladas a poucas semanas da sua realização, como a CERA Week e a Columbia Global Energy Summit. Com a disseminação do vírus e a relevância da China para a economia global, os impactos começaram a ser sentidos em diversos países e setores, com cancelamento e adiamento de eventos corporativos, culturais e esportivos.
No Brasil, a confirmação do primeiro caso durante o recesso de carnaval fez a bolsa de São Paulo reabrir com uma queda de 7%, puxada principalmente pelas empresas de turismo e aviação[3]. Na base de qualquer atividade produtiva, o setor de energia também é sensível aos efeitos da epidemia na economia, incluindo o segmento de óleo e gás. Junto com questões geopolíticas e regulações setoriais específicas, o coronavírus é um dos principais drivers do mercado de petróleo em 2020, segundo análise da Bloomberg[4].
Pela ótica da oferta de bens e serviços na indústria, projeta-se um atraso na entrega de 22 das 28 FPSOs[5] contratadas no mundo, devido à proximidade dos estaleiros ao epicentro da doença[6]. Desse total, 15 unidades dependem da operação de estaleiros chineses, sendo 5 FPSOs da Petrobras[7]. O atraso, causado pelas paradas de operação e pela interrupção no fornecimento de materiais, pode chegar a 1 ano. Esse tempo representa um acréscimo de aproximadamente 30% na previsão inicial para a construção dessas estruturas.
Pelo lado da demanda, o enfraquecimento do crescimento chinês também impacta diretamente o mercado de petróleo. Estima-se que a demanda chinesa por petróleo tenha diminuído em cerca 400 mil barris/dia, em razão do novo coronavírus[8]. Os principais drivers foram os setores industrial, de transportes e o turismo, com cancelamento de 200 mil voos e paralisação de linhas de produção.
Nesse cenário, a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) espera uma retração de 90 mil barris/dia na demanda por petróleo para 2020, em comparação com 2019. Se confirmado, esse resultado representaria a primeira queda na variação anual da demanda desde 2009. A estimativa da IEA ainda prevê uma redução maior, de 730 mil barris/dia, em um cenário de falha nas medidas de controle ou um crescimento de 480 mil barris/dia, caso haja uma contenção rápida da doença[9].
A possibilidade de disseminação do novo coronavírus e o temor de uma redução expressiva no consumo da China, maior importador de petróleo do mundo, derrubaram a cotação do petróleo Brent em 2020, como mostra o Gráfico 1. O Gráfico 2 resume as projeções de preço do Brent para 2020 e 2021, considerando também o impacto da falta de acordo da OPEP+ para novos cortes da produção.
Gráfico 1 - Variação da cotação do Brent em 2020 (preços futuros em US$/barril).[caption id="attachment_135065" align="aligncenter" width="640"]
Fonte: Elaboração IBP, com dados da Investing.com.[/caption]
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Fonte: Elaboração IBP, com dados das instituições.[/caption]
Na primeira semana do ano, o aumento da tensão entre EUA e Irã, em virtude do assassinato do general Qasem Soleimani provocou um aumento de 4% no preço futuro do Brent. Entretanto, em menos de uma semana a cotação retornou ao patamar anterior, uma vez que não houve uma escalada dos conflitos.
A partir de meados de janeiro, os impactos na economia chinesa das medidas de contenção adotadas pelo governo intensificaram a trajetória de queda nos preços. Entre 23 de janeiro - antevéspera do ano-novo chinês - e 04 de fevereiro, os preços apresentaram uma queda acumulada superior a 10%, cotados abaixo dos US$ 54/barril.
Essa variação ocorreu em meio à tensão entre EUA e Irã e à crise na Líbia, que provocou uma redução de aproximadamente 1 milhão de barris/dia na oferta do país[10]. Na última semana de fevereiro, a disseminação do vírus ao redor do mundo, principalmente no norte da Itália, voltou a impactar a cotação do petróleo. Entre 21 de fevereiro e 1º de março, a cotação do Brent no mercado futuro caiu quase 20%, abaixo dos US$ 50/barril.
O comportamento do mercado nesse período reforça a relevância da demanda para a formação do preço do petróleo[11]. Com o aumento da produção americana e o crescimento do tight oil na década de 2010, o temor de escassez da oferta diminuiu. Dessa forma, os choques na demanda passaram a ter maior impacto na cotação do petróleo, tanto no curto prazo - como no caso da Covid-19 - quanto no longo prazo - pela transição energética em curso.
Com as sucessivas quedas de preço, os países da OPEP[12] buscaram um acordo com a Rússia, sua principal aliada, para promover cortes na produção. As negociações da OPEP+[13] envolviam uma extensão da redução atual de 2,1 milhões barris/dia, acordada até o final de março, para 3,6 milhões barris/dia[14], buscando reduzir o impacto do novo coronavírus sobre a demanda por petróleo.
O fracasso no acordo levou a Arábia Saudita a anunciar o aumento da produção e descontos no preço do seu petróleo e a reação do mercado foi imediata. No dia 09 de março, a cotação do Brent registrou a maior queda diária desde 1991, ano em que se encerrou a Guerra do Golfo. Nas primeiras horas do dia, o preço do Brent chegou a acumular uma queda superior a 30%, cotado a menos de US$ 35/barril.
Ainda há uma grande incerteza sobre o impacto de longo prazo do novo coronavírus na economia global. O comportamento da economia chinesa após a SARS indica uma recuperação das taxas de crescimento no ano seguinte à contenção da doença, como mostra o Gráfico 3.
Gráfico 3 - Taxa de crescimento do PIB chinês por quadrimestre durante a SARS.
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Fonte: elaboração IBP, com dados da Bain&Company [15].[/caption]
A queda da demanda por petróleo causada pelo coronavírus agravou-se ante o impasse na OPEP+ sobre os cortes da produção. Por um lado, a reação da economia chinesa após a SARS indica um potencial de retomada da demanda no médio prazo. Todavia, a maior integração da China à economia global entre 2003 e 2020[16], além do comportamento da OPEP+ e dos EUA em relação à oferta podem postergar a recuperação, tanto do setor de óleo e gás, quanto da atividade produtiva em todo o mundo. A capacidade dos países em conter o avanço da COVID-19 e a resposta dos principais produtores de petróleo (EUA, Arábia Saudita e Rússia) às variações na demanda serão determinantes para o comportamento do preço do petróleo nas próximas semanas.
[1] Organização Mundial da Saúde (OMS), 2020 – “Situation Report 55 – 15 March 2020”.
[2] Sigla em inglês para Síndrome Respiratória Aguda Grave.
[3] O Globo, 2020 – “Bolsa desaba 7%”.
[4] BNEF, 2020 – “Virus, OPEC, U.S. Supply, the trade war and IMO: key drivers of oil markets in 2020”.
[5] Sigla inglês para Unidades Flutuantes de Armazenamento e Transferência, utilizadas para produção de petróleo offshore.
[6] Rystad Energy, 2020 – “Coronavirus to delay most of 2020’s FPSO deliveries and postpone US$30 billion of E&P investments”.
[7] Brasil Energia, 2020 – “Coronavírus ameaça entrega de FPSOs”.
[8] BCG, 2020 – “COVID-19: Oil & Gas market impacts”.
[9] IEA, 2020 – “Oil Market Report March 2020”.
[10] Financial Times, 2020 – “Libya oil output set to collapse to lowest level since fall of Gaddafi”.
[11] Financial Times, 2020 – “For today’s oil market the real threat is to demand, not supply”.
[12] Organização dos Países Exportadores de Petróleo, fundada em 1960 por Irã, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela e atualmente composta por 14 países.
[13] Referência ao grupo composto pela OPEP e seus aliados, com destaque para a Rússia.
[14] O corte de 3,6 milhões de barris/dia representa cerca de 4% da oferta mundial (Financial Times, 2020 – “Oil crash: why Saudi Arabia has started a global crude price war”).
[15] Bain & Company, 2020 – “Beyond the Coronavirus crisis: prepare now”.
[16] Em 2019 a China representou três quartos do aumento da demanda global por petróleo (IEA, 2020 – “Oil Market Report February 2020”).
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